segunda-feira, 8 de junho de 2015

O jardim da margarida




O Jardim da Margarida é fruto de diversos processos de autoconhecimento e construção, em diferentes geografias e temporalidades, a partir do meu próprio enfrentamento com o mundo. Principalmente mediante a experiência como estrangeira residente na Argentina, o projeto também se nutriu com minha submersão nas ciências antropológicas e sua busca por compreender o diferente. Potencializou-se e tomou forma com a chegada de meus sobrinhos, Artur e Miguel, à família. Por minhas constantes ausências em suas vidas, os desenhos possibilitaram uma maneira de participar do aprendizado mútuo que implica a interação com as crianças, permitindo-me outra forma de estar presente e ajudá-los com seus próprios enfrentamentos. Muito já foi defendido sobre os benefícios de ler, desenhar e pintar para expressar, entender e liberar sentimentos. O Jardim da Margarida poderá contribuir nesse sentido e está destinado às crianças de todas as idades.


 ((( com arturito e miguelito; dinâmicas de desenho e invenção de histórias )))

((( com arturito e miguelito; uma versão do jardim da margarida )))
































***

O jardim da margarida
Uma história sobre as diferenças 
(Livro para ler e colorir; Expressão Gráfica e Editora)


segunda-feira, 21 de julho de 2014

Absences ( ) des//connections << résonnances >> et la mer

- Tia, onde é que você mora, hein?
- Meu amor, nesse momento essa é uma pergunta filosófica. Agora estou aqui.
- Então você mora no aqui e agora?
- É.

Enquanto passagens, passeio e flano por horizontes descontínuos.


Das distâncias,
Dos ritos,
Das despedidas.
Depois de arreganhar bisagras:
[fadiga de ir e vir]
Entre portos,
[fadiga de deixar]
Abandonar (partir) e abandonar-se (ficar);
Tomar a vida pelas ancas, outra e outra e outra vez.
[fadiga das resiliências]
Ver o mar,           
Perder tempo com ele,
Saber-se parte e aparte.
[fadiga de acompanhar]
Alisar seus cabelos-espumas,
Brilhantes e esmeraldas, dos verdes mares mais verdes,
E especialmente prateados (e presenteados) pelas oito da manhã desses cotidianos líricos.
Contra dom à Rainha: seremos sempre gratos ao universo e aos orixás,
Pelos encontros-flores; carinhos n’alma,
Assim também pelas dores; cólicas n’alma.
Porque embora quase insuportáveis, suportamos.
Arrancamos as pétalas, lavamos as pedras e cultivamos as plumas.
Aprendemos: seremos sempre gratos aos caminhos,
Ainda que tortuosos-pedregosos-obscuros.
[fadiga de seguir, e seguir entretanto]
Saudar o mar de invisíveis caravelas,
Então reluzir no corpo as inteirezas e os mantos
Manter a aura amarela,
Enquanto as bordas do oceano
Ainda são paralelas.



Olhar as estrelas, com fé de que serão vértices ressonantes.



segunda-feira, 21 de abril de 2014

Margaritas rojas con botones amarillos

Te miro, te sorbo, te recorro, con el hambre, sed y melancolía de las despedidas.
Como las cosas hechas a consciencia de que serán por últimas veces.
Por tus calles me voy despidiendo, de tus colores, de tus sonidos, de tus hechizos;
Porque aunque me hicieras sufrir, quedé.
Hechizada, quedé,
Y así te confié mi vida por estos casi 7 años.
Te confié mis tristezas, mis desilusiones, mis alegrías, mis nostalgias, mis extrañamientos,
Y, en cambio, me hiciste al fin y al cabo lo que soy ahora.
Y me rehiciste, en fin, más de una vez.
Cada vez que me hiciste respirarte todos los días,
Tus portales tuyos, a través de troles-plazas-o-peatonales-soles-y-ciruelas.
Me enfermaste, me sanaste;
Me rompiste el corazón –y el culo- tantas veces cuanto también me abrazaste.
En lo cliché de las sorpresas de tus días imprevisibles siempre.
Si te digo adiós y no hasta pronto es porque sé que jamás seremos los mismos, aunque sean en nuevos encuentros,
Ni yo ni vos ni el tiempo ni nadie ni nada,
Porque todo pasa tal como es, y por ende, lo nuestro no se dará nunca más del mismo modo como se dio estos años.
Nunca nada lo será.
Quizá por eso mismo mi cuerpo es ahora un llanto de sangre incesante,
Y mi mirada va aún más profunda y triste,
Y mi sonrisa más interna también.
Y porque te tengo tan viva en mi cuerpo, rojiza tal cual esa sangre,
Entre lágrimas y sudores, sangre, sobre todo, sangre;
Sangre que supimos –vos y yo- convertir en flores tantas veces. Ahora hagamos lo mismo.
Y lo hagamos en marcha.
Porque nos quedan días apenas.
Porque tan cálida y tan fría me matas, me hieres, me torturas;
Y porque ya me siento tuya y vos tan mía, me permito clasificar tu feo y tu lindo;
Árida y fértil; provinciana y extranjera; ingenua y madura; dulce y perversa a la vez;
Así ambivalente te llevo dentro de mí, y tan viva, dentro de mí,

Mi hermosa-extrañada-y-entrañable Córdoba.


 

segunda-feira, 10 de março de 2014

> > janelas < < para ventilar § os pensamentos ; ( ( cobogós ) ) para arejar * a alma

Fechar os olhos, perscrutar silêncios. Abrir janelas, plainar vidências pelo horizonte. Dobrar lentamente as roupas recém-lavadas. Perfumadas, portanto. Fazer um passeio despretensioso. Escutar um violinista escocês tocar Perfidia na peatonal. Um pouco de mágica colorida para dias cinzentos. E por isso agradecer. Arejar a cabeça. Abrir paredes e aplicar cobogós (( ou muxarabis fixos )) para arejar a alma, numa tentativa de fazer perene as permeabilidades. Iluminar as trevas. <<“Son árabes, ustedes?” –perguntou um grego aos cearenses, enquanto bailavam as águas no Paseo Buen Pastor>>. Os encontros são janelas imprevisíveis, com alto potencial para portas. E janelas são -entre tudo- portais. Tomar banho pela tarde, quando o sol pela janelinha de vidro transmuta a água em diamantes líquidos, pela luz espetacular junto a que se fazem coincidência. Deixar esse brilho derramar-se pela pele. Dançar enquanto o ovo cozinha. Delirar nesses 5 minutos de transcendência. Desenhar. Encher a banheira, reunir músicas preferidas sem qualquer relação de estilo e ali escutá-las beijando a boca no torrontés. Escrever. Pintar as unhas. Costurar. \preparar pó de pirlimpimpim/. Ler acasos depois do jantar, em forma de romances, bulas ou mensagens esotéricas. E pedir desculpas aos besouros pelo impulso de espantá-los. Observá-los quando térreos, caminhando sobre as páginas do livro aberto, respirando folhas já não tão sólidas para as passeadas do companheiro alado. Imaginar onde estão os seus olhos. Imaginar onde estão quem amamos. Que fazem, que pensam, nesse instante em que pensamos neles. Ver voar o besouro e pensar qual será seu objetivo e pouso. Borrifar água com canela nas cortinas para que o sol pela manhã dissipe pela casa um sublime perfume, mais intenso quanto maior o calor exale. Uma forma doce de perceber altas temperaturas para organismos tropicais super tolerantes às mesmas. Abrir as janelas, ventilar os pensamentos; sentar na pia para escutar atentamente uma canção dramática e, nesse transe, morder ameixas maduras descuidadamente, deixando pingar o vermelho pelo queixo, mão, antebraço, cotovelo, joelho, canela, pé e, finalmente, pelo piso; mais bananas-potássio-e-laranjas-magnésio-contra-as-câimbras. Mais delicadezas para acarinhar os juízos. Abrir fendas, chafurdar os detrás. Parar os alheios mundos, // pause sem medir, contudo, por alguns segundos fly. Estampar de flores o coração com pequenos buquês para si, auto-massagem, auto-beijo, auto-festa. Levantar cortinas, com o primeiro café do dia, com um bom dia ao mini-jardim doméstico e à Laila e Majnum, com fé de que alguma vez se encontrarão -e sempre poderá ser este um bom dia para tanto-, graças aos cantos viajados pelos ventos do deserto. Abrir as janelas todos os dias, apesar das tempestades.


<< catarses >>  ;   >> janelas <<   ;  (( cobogós ))




domingo, 9 de fevereiro de 2014

Brasileiramente românticos

[Dedicado ao meu querido amigo Clau, quem tanto já me ensinou sóis em tempos de trevas. Pelo privilégio em acompanhar coadjuvante -em papel de Cintura Fina, braços dados à diva- uma de suas epopéias de amor; por sua persistência em ser feliz e recusa em não sê-lo; pela inspiração e força para travar minhas próprias batalhas]


A modo de Heloísa por Abelardo: contra regras e tratados, ir.  Mãos lavradas na terra, em versos de Benedetti. Espírito e prosa Hilda Furacão. Orquestrando noviciados da paixão de Hilst, <<vorágines>> de Caio, Terrais de Ednardo, melancolias de Gonzaguinha, Canteiros de Fagner, cantos de Vinícius, cantos de sereias; cantos [IX] de Ariana para Dionísio; CANTOS-PRANTOS-TANTO; completamente passionais. Jamais passivos. Ativos, fazemos a vida fincando unhas. Guiados por deuses ambivalentes. ODOYÁ! A outros olhos culturais, talvez algo irracionais, ansiosos, supersticiosos, intempestivos demais. Amuados às vezes, por oscilação de ser, aflorando as amplitudes e cearensidades, complexas e conflitivas, narradas em patativas-fibras-rapaduras. Somos filhos de Iracema, às corridas pelo Mucuripe, com o colonizador deslumbrado que não alcança símil ebulição nas veias. Também do rir-para-não-chorar. Humor das almas em frangalhos. Por equilíbrio dos temperamentos, hospitalidades. Para respirar as vertigens. E nessa educação do agrado [ah!], nisso nos esmeramos. Tropicamos. Somos carinhosos e cálidos, ou aguerridos, se o mundo pede. Embora lutemos por serenidades. Caminhamos pelas tormentas com guarda-chuvas baratos, que se reviram a qualquer sopro, deixando molhar –e queimar- toda a pele. Aceitamos os incêndios. Então, alçamos as calças, empunhamos sandálias e descalços –e então despidos- cruzamos avenidas convertidas em rios, arriscando contaminações, feridas, deslizes, marcas e, assim, pisamos em pedras pontiagudas com pés rachados; desafiando, reivindicando, reinando castelos de areia. De modo que seja, a ideia será sempre chegar ao outro lado da avenida. Caminhamos cantando, agudos e desafinados, por Yrigoyen, por calçadas estrangeiras, ou recitando Cântico Negro em mesas de restaurantes caros. Em domingos católicos, enquanto a maioria descansa, vamos à luta. VALE O REBULIÇO, hemos de dizer depois diante dos espelhos. Porque estes, os enfrentamos para reconhecermo-nos ciclicamente; vai bem mais além que um preciosismo estético. [Leia na minha camisa, baby, ou nos meus olhos-cristais]. O complicado é normal para nós, <nos tiramos en piletas>, se vazias, band-aids depois. Frontais, impulsivos, atentos, VÍ-VI-DOS. Embebidos de chorinhos, bossa nova, boleros, carimbós,,, para resgatar –ou triturar ainda mais- os corações avassalados. Parnasianos, capaz, por trânsitos breves. Pacientes, também, mas em geral por estratégia, perseverança ou percepção de assuntos que demandem maior delicadeza. Podemos recuar, não há covardia nisso. Nesse caso, não confundir arrebato de paixão com disponibilidade do corpo-alma [para apropriar-me de estruturas de Clarice]. Nunca mornos, nunca beges, nunca opacos; não queremos tantas voltas, não queremos tanto-faz, nem SEs, nem algum-dia-quem-sabe. Vamos até as últimas consequências, A-GO-RA. Porque os sentimentos podem ser efêmeros demais e, de certa forma, sempre são fugazes no que são. Aos românticos, há algo de sagrado em dar vida às miragens, quando -à Pepe Le Pew- sentimos jasmins em esquinas no ápice dos perfumes. 






quinta-feira, 14 de novembro de 2013

El tiempo de la nada

Después de los llenos, tempestades y convulsiones,
Pausarse;
Esculpirse.
Rencontrar la criatura en sí y recuperar el drama más abandonado, 
A modo de hacerse justicia;
Hacerse cargo de esta criatura olvidada, 
Pero hacer liviano ese des-olvido;
Hacerse liviano;
Rehacerse.
Respirar;
Caminar;
Mirar por nuevas y viejas ventanas, y éstas con nuevos marcos;
No decir;
No actuar;
No acompañar a nadie y a nada,
Y a la nada brindar el tiempo.
Mientras el mundo sigue los rumbos;
No ir;
No quedar;
Buscar cualquier rumbo siempre que por empatía;
Mirar, intuir, confiar
Y en ritmo propio empezar travesía.
Apreciar silencios y desglosar ruidos;
Escuchar, sin detener;
Transitar, sin absorber;
Digerir;
Descansar;
Diseñar formas despreocupadas, teniendo la estética 
como consecuencia del propio aliento;
Del Hacer genuino,
Del Hacer lo uno, lo dos, lo tres,
Por las persistencias.
Persistir y no insistir,
Perseverar.
A la nada brindar el tiempo,
De los vacíos de las arquitecturas,
Observar los vanos, los hiatos y percibir sutilezas:
De lo entre notas,
De lo entre comidas,
De lo entre sueño.
Volar por imágenes suaves de playas anheladas y nunca idas;
Sacar los pies de las veredas metropolitanas, flotar hacia los compromisos;
Flotar. Flotar pese las mochilas cargadas, y cargados los huesos,
Y cargadas las carnes heridas infectadas,
Y cargados los pensamientos,
No sentir más liviano por las sangres perdidas, sino por las transfusiones.
Sincerar los sentimientos, y respetar las reacciones del mundo 
no siempre gratas ante ruda transparencia,
Dejar ser y no esperar,
Ya no esperar.
No querer olvidar, pero saber inevitable el desdibujo del tiempo,
Aceptar que el desencuentro es el drama de la vida, y que la vida es lo que se hace, 
y que el olvido arrastra memorias y corazones 
mediante misteriosos procesos selectivos;
Que las reciprocidades, en fin, comprenden más que sentimientos en sus economías.
Descartar las cáscaras,
Descartar los engaños,
Descartar pieles muertas.
Tocar superfícies y aplacerse con su cariño-textura en piel encendida;
Llenarse con aire, soplarse enseguida;
Vaciarse.
A la nada, brindarse;
A la nada hacerse tiempo.




sábado, 26 de outubro de 2013

Em defesa da pessoa

As pessoas são pessoas, ainda que uma cultura original e outras transitadas; e classificações; e associações; e contextualizações as conformem;

Seus lastros e trajetórias as especificam,
Seus seres as especializam,
Seus olhares as transparecem,
Suas peles as verbalizam,
Seus sentimentos as emaranham.

Sobretudo, sobre todos e sobre tanto,

Acreditar nas pessoas.

domingo, 6 de outubro de 2013

Dançarina Mandarina Purging

-Hilda, não me fale mais. É bastante. - suplicou a dançarina com seu ser aberto entre mãos.

As janelas abrem para dentro [miradas en el balcón], diálogos à noite com Beauvoir;;; doce-chocolate-meio-amargo [olhos de Gal]; asas-pavão-misterioso, ela dança para salvar as plumas e o equilíbrio; Segue, com inspirações-Hermitianas e sinceridades-Cazuzeanas, entre torres e mistérios.  

De ambivalências, agridoce. Bananas e Mandarinas. Da estação; gomo a gomo, a dançarina vê alaranjar a tarde. Aprecia tudo que o olho traga, sentada em novos bancos ao sol. Transparece. Lavra, põe o corpo e enfia as mãos. Na terra, nas lâminas, no ventre. Pousa as palmas sobre o umbigo. Afugenta as câimbras. Respira. 

Trabalho de campo, campo aberto; Sol. Observa. Alça pontes. Vai. Confia. Sempre poderá encontrar soluções por caminhos genuínos, tomados das próprias vozes. Fértil e cálida. Sente ventos no rosto. E, assim em vivas carnes, prevê chegar cores de verão e flores do porvir.

Hilstiniana, arreganha e flana com outras dançarinas.



segunda-feira, 15 de abril de 2013

Bula para delírios e seres complexos


 [Ler-se à escolha: 
UM, ao som de 'Pas si simple', por Yann Tiersen; 
DOIS, das próprias orquestras corporais; 
TRÊS, dos sons concebidos como silêncios]

Delírios; um-dois-três, um-dois-três; uma questão de perspectiva. Que a minha pele, de filó, de tramas espaçadas, de sangue exposto e veias altas; De sensibilidades por opção exacerbadas, Também por opção escolhem ver. Um-dois-três, um-dois-três; Processos de triangulação: teorias, práticas, pensamentos. Por opção, uma leitura de mundos aprofundada, colorida e curiosa, trespassada e trespassante por outras carnes. Há um preço; há que estar e ser inteiro e pedaços a-la-vez; vulnerabilizar-se, esmiuçar-se, desprender-se e desenvaidecer-se de si. Pragmaticamente. Um-dois-três; Tremem minhas mãos, SIM, pelas vibrações das brocas que perfuram obsoletas estruturas, nos ritmos dos meus pensamentos dialógicos e dialogantes- explicação melhor que as vértebras comprimidas, ainda que não sejam explicações o que buscamos, é possível e possíveis são muitas coisas-. De todo, as mãos são corpo, e corpo é limite, partidas e chegadas –um-dois-três, um-dois-três - fronteiras internacionais e trânsitos. Para miradas desatentas, interpretações limitadas, ainda que se creia inteligível sob próprias doutrinas e impérios. Uma opção será limitar-se a esse primeiro juízo. Não sempre equivocado, mas limitado. Outra será (e nessa vertente, particularmente, finco os meus pés motivados ao movimento em sapatinhos vermelhos QUE anseiam IR por OZ) deitar atentamente os olhos pelas estruturas alheias, len-ta-men-te, pelos ritmos alheios cadenciados com os próprios, discernimentos alheios conversados com os próprios, passeados nas suas aparentes desordens. Baixar dos castelos, vir ver e viver; aceitar o trato de desgoverno, das maçanetas, das vertigens, das miradas e do próprio ser. Deixar ser! Delirar-se entre agudas e inesperadas sinfonias destes estranhos mundos. E rir-se dos que ficaram nas superfícies fáceis e pálidas, porque estes riem ignorantes, crendo tolos ou inúteis os arrojos, as paciências e os delírios. O trato define a vista. Estas rubras unhas dançam –não tremem- em meio a esta música que não escutas.  


segunda-feira, 8 de outubro de 2012

A visita obscura; noturnas, internas e outras trevas

Photobucket
fotos: Júlio Paiva ]

“Quieto”, disse meio telepaticamente ao bicho, com espécie de fúria-dopada-por-serenidades.
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Um assustado morcego entrou na minha casa, nesses dias-abismos, e foi pena –não medo- o que senti. Pena do azar, do desengano, do desencontro, do desencaixe, do desajuste, da desorientação. De ambos; ele e eu, contrários e dialógicos: ele em movimento intenso; eu imóvel, porque já debatida demais, de convulsões e lutas anteriores. E coragens cansadas. E palavras gastas. Esses corpos vazios intercambiados em distração. Sem significado. Sem substância. O morcego, estático em coordenadas, excessivamente dinâmico -entretanto- em eixo. Asas cinza, supus, porque não o vi em formas, se não em mancha. Uma mancha cinza, turva, fora de foco, fora de importância, fora de contexto. Fora. Não disse, nem pensei em expulsá-lo. Quisesse estar ali, sorte a dele. Nesses dias não é companhia branda a minha. E em todo caso (sei) não é fácil estar fora de lugar. Mais ainda se não se é bem-vindo. E ele transitava ali dentro do meu espaço não dele, embora também não de todo meu; na minha bolha silenciosa e baixo frágeis acordos, em todo caso, na tumba alheia (a minha), ali comigo nos meus antros. O que podia fazer era abrir alguma janela: ainda não me é possível devolver crueldades tão profundas quanto as colhidas. Ainda assim, como decretarão -ou já decretaram- os laudos e autopsias: feridas mortais e alma entravada. Mas (também sei) a indiferença pode ser fatal, por outro lado. E, sim, o havia ignorado por uns minutos. Ou por toda a vida. Eu também já me sinto um pouco morta, era admirável assim observar sua persistência em se manter vivo. Ou em movimento, luta que fosse. Mas por onde haveria entrado, se todas as janelas estavam fechadas? Pela porta, e convidado, supus, como de regra é para com vampiros. Ou bichos culturalmente associados às trevas. Abri então a janelinha da cozinha, mais ajuda que esta não daria, tão-quase-morta estava. E tão cética. E administrando tantas dores simultâneas, por tempo distraídas. Devia parar a roda-viva e já tentava; é difícil. Parar de agonizar, revisar as dimensões. A valentia heroica do morcego já era então irritante e relativizava minha tentativa de apenas existir e resistir ao dia, alcançar o fim dele, esgotar a noite. Parar com tudo e com todos, era já imprescindível, quando não, inevitável. Sincerar-se e objetivar. Pensar, whatever works. O bicho saiu; não parei: a mente seguiu irrequieta, o coração arrastado, a pele em chamas. E nenhuma ideia de por qual vão sair. Ou expulsar-me. Restou e resta uma fúria incontrolável, fúria leão-mexeram-com-meu-almoço ou leoa-mexeram-com-meus-filhotes. E indisfarçável, nem entre as mais sofisticadas máscaras, estas que simulam as expressões faciais e tudo. E nada por dentro, quem dirá carne, sangue, vísceras, nervos. Tudo por hora anestesiado. Fechei a janela, “não volte mais”, disse ao relento. Ou por um tempo. Um tempo suficiente para alguma cura provisória que seja. E talvez até o convide pra voltar algum dia. A pesar de tudo.