quinta-feira, 25 de setembro de 2008

vão adentro, vão as pernas

As pernas, bambas. A luz da primavera, das sete horas, âmbar. Eu volto em caminhadas densas. Eu tenho a garganta tensa, trêmula, gastada. Vem Bethania e me arrasa. Arranca os sentimentos enquanto ando. Enquanto acotovelo a felicidade coletiva que passa ao meu lado, eu distante. Nada mais triste que estar em meio a tantos sorrisos quando todas as dores vão adentro. Vai-se fora.

E, então, o anteparo é vão; e o chão, ausente.

domingo, 21 de setembro de 2008

não é uma referência a Augé

A cama recebe o corpo cansado. Cansados, deitamos. Adormecemos, a modo de equalizar as partes há muito adormecidas. A cama é lar, assim também estamos em casa. Erudita a cama, mais uma ficção. A última do dia; para relaxar as pálpebras, até que façam dos olhos pele. Estranhos sonhos extraños. E entranhados nas veias entorpecidas dos sonos guardados. Dos sonos rejeitados, tomados, dormidos pelos dias... Camas aladas: onde levam as mentes esgotadas e exauridas? Dorme-se. Sonha-se. perde-se a referência, que há muito se perdeu. A cama atende com generosidade o ofício de portal. Transfere e ressucita. Aquece: ainda as madrugadas estão geladas. Ainda as madrugadas liberam monstros, xuxas e pernas cabeludas. Útero, a cama; abraça, alimenta, conforta, conforma, abriga. Afasta o mal, por todo o perímetro do lençol. Fosso medieval, entre o castelo-colchão e a escuridão, nenhum mal adentrará. De modo que é também duro sair. Duro voltar, tarde que atina o sol, para o lugar que não é. E que não há.
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Sensação caverna do dragão: não estamos. Não estamos em lugar nenhum, não estamos. Não somos. Seguimos. In-to-xi-ca-ção. Porque nada é natural, para nossos corpos já construidos. Tudo é posterior à formação de nossa envergadura; carnadura e pensar. É arificial porque não nos concerne. Os venenos sao outros. Expressamo-nos, a conforme, a modo de compreensão. Tragamos o que há nesse mundo, ainda que não seja o mesmo mundo que há aqui dentro. Aqui dentro há moléculas marinhas latentes, atrofiadas, carentes. Nunca houve aqui dentro tanto frio, porque aqui dentro, o mundo é tropical. Somos tropicais por singeleza, por compleição, educação e consistência. Ainda que o homem possa adaptar-se; essa adequação é sempre anti-natural para o seu ser. Aqui há uma necessidade comovente de reinstauração. Uma súplica sanguínea, de existência. Que se abram as Portas da Esperança e – ainda que venha junto o Silvio Santos – nos trague esse mundo natural. Antes que a falta de mamão nos abale irreversivelmente o juízo e as melaninas moribundas recorram a eutanásia. Quebrados que foram todos os espelhos.
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Lost: o acidente é interno. O exilado é antes de tudo um náufrago.


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[ensaio fotográfico pelo centro de Córdoba, por Júlio Paiva]

à propósito, a primavera (! ) oficialmente, a partir de hoje - 21 de Setembro - está autorizado o uso de bermudas e estampas; a condição climática não mudou de um dia a outro, mas, ao que parece, a permissão social é o que manifesta a estação. Filha da dualidade climática -sol e chuva - não tenho autoridade primaveral, mas reparar é a atividade a que - cientificamente - me dedico no momento.

domingo, 14 de setembro de 2008

la consigna es ir

[bein-bein] tocavam os despertadores e os sinos, antes do celular. [bein-bein] ir, eu vou; contra o corpo, contra-prazer, contra-amanhecer, ir, ir. ir: mais que deslocar-se, estar. ¡hola!¿ que tal? ¡bien, bien! mais que estar, ser. ¡hola!¿ que tal? o rosto está sorriso; toda expressão, juízo. ¡bien, bien! de segunda a sábado, [bein-bein] todos os músculos em movimento, estar parado é estar atento: on-off, baby, [bein-bein] get Geertz, get all. ¡hola!¿ que tal? ¡Bien, bien! no último dia, pingar o "i", seis horas sabatinas de get all, baby, get all. [bein-bein], pelas dúvidas, ir, ser e estar. e, pelas dúvidas, mudar sempre o toque de despertar; embora um dia todos tenhamos adquido imprevistas seqüelas do anti-natural zumbindo pelo ouvido.
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vou; desconsertando a estrutura desse caos interno estabelecido. vou a tranco, com mais esforço que acostumaram-se os braços. vou a passos, posto que vou a pé. posto que vou a cabo, a duro, a fundo, a custo. mas vou, como os contos metafóricos, narrados para a felicidade não ser esquecida no coração dos pequenos. vou preferindo alguma fé laica. vou, porque “Lúcia já vou indo” foi – quem se lembrará dessa história que se alojou na minha mente tao categoricamente – ela foi. ir, por ir, vamos todos. ir no tempo, já alguns. porque “Lúcia já vou indo” foi, isso é certo. mas chegou, digamos, quando já sua presença não significava. a presença: essa é a consigna do ir. a finalidade exata.

I ato
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o rosto é posto para a atenção; o posto está no encosto da cadeira.

II ato
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o rosto é posto para a expressão; o posto é um gosto adormecido e resguardado, duas vezes justificado. o posto é ponte e ponto ou tres pontos de deriva.

III ato
Photobucket o rosto é posto para a atuação; o posto é o próprio rosto. postarás e portarás. perfume e gentilezas - get pernas enquanto as cruza sob a mesa.

[fotos Júlio Paiva - estudo acadêmico, para Spilimbergo]

domingo, 7 de setembro de 2008

interdependência ou morte

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minha pátria de saudade é perfeita: enfim BENVILIA! amada idolatrada, salve, salve. [que sejam desconsideradas todas as xaropices usuais; aquele texto no jornal dos 12 anos (?) ] indiferentes os ouvidos e qualquer gol em contrário. nem abala, nem conforma. me deixo pela passionalidade. arroz, feijao, farofa, banana ; do que se depende a vida, cadeia alimentar. um dia fincaremos os dentes na picanha.

interdependência. (ou morte)

(...) é que hoje bastam o verde e o amarelo.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

entre-rosas

A margarida acordou naquele jardim de Malvilla-del-oeste. E lembrou-se de onde estava. Foi pelo cheiro e pelo entre-rosas. Lembrou que já não vivia em Benvilla-del-este tampouco em Malvilla-del-este, Benvilia do leste, Malvilia do Leste, muito menos. Ali estava. O perfume das rosas a fez lembrar seu olor matinal de Margarida, à fatalidade e delícia de seu próprio ser. Essa compleição híbrida dos trópicos; contraditória da delicadeza e da força. Do diferente. Única no jardim, gritava existência. Suas pétalas falhavam em palidez diante do mar escalate de pétalas-alteridade. Interação face-to-face flor-a-flor, no mínimo um conflito de fragrâncias. Não desejava ter tingido o fenótipo óbvio de sua espécie, a modo mais assimilável. Desejava um acordo explícito, de aceitação e convivência: suas raízes alimentavam-se daquela água. Desejava entender e ser entendida, não por conveniência, mas por definição. [Gof...] Esses símbolos invisíveis entre-rosas, de toda uma tradição secular. Pois bem, já se via um verde amarelado em suas folhas, elas que outrora foram tão verde-bandeira. O tempo? Diante da certeza do não-vermelho de seus tons e da imutabilidade dessa condição, penetrava prudentemente. Batia por dentro aquela tensão; as rosas falavam em rubro, balançavam-se como rosas, rosas que eram. Ela, Margarida, andava débil, refazendo-se de sais os quais não reconheciam suas raízes. A maior parte do tempo sobrevivia, ainda que estampasse uma cor a mais na composição. Buquê exótico, fetiche, o branco do vermelho. Interação pétala-a-pétala. Sorria: amáveis e adversas companheiras de canteiro. Sentia, contudo, uma inevitável solidão.

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