sábado, 29 de agosto de 2009

biscoito da sorte

O homem está condenado à ação; foi uma semana inteira com isso na cabeça. Escutei um personagem da caricaturesca atual: incrível essa habilidade do universo de fazer ouvidos e palavras encontrarem-se, supostamente ao acaso. Tenho acreditado na dialética dos desertos; chegou às minhas orelhinhas avermelhadas esse sopro de Majnum, embora não fosse o seu canto exatamente. Os ventos vêm de França, e de tão longa distância até os buenos aires cordobeses, chegou o exato recorte existencialista que necessitavam meus ouvidos. Pois bem, assim abertos, encontraram-se, a comida e a fome. Laila e Majnum.

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Ando; a cabeça pede ao corpo cansaço suficiente para que meu sono se efetive. Insônia: a cabeça ferve, ainda condenada à ação. Condenada à ação, ainda se durmo, meu nahual é livre, meu ch’ulel mantém-se atormentado, aí estou. Estar, ficar, parar: impossível, é verbo, e de verbos encadeados se faz a vida. E fazer é esse verbo curativo, terapêutico, capaz de exaurir menos que estar por fazer. Condenada a essa liberdade toda de Sartre, é peso, é angústia, não fazer é morte, e ainda é, É, nesse sentido de que no fim das contas sempre há ação. Os cantos podem vir da Pérsia, das festas de Urkupiña, de um papel esquecido na calçada, de uma chamada por engano, de um biscoito da sorte do facebook. Para tantas decisões diárias, que pode motivar cada uma delas? Se há areia nos meus ouvidos, por aquela poeira toda da ventania de sábado em Villa El Libertador, como se encontrarão minha Laila com meu Majnun?

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Se fosse tão urgente um sim, como tudo aquilo que arrebenta o dia ao principiar-se inipterrupitamente, aí estaria. Óbvio; como as tramas de Glória Perez. Tenho acreditado no inevitável encontro do que se busca, via que seja (ainda mantenho a fé em encontrar uma etnografia essa semana e resiste meu romantismo obsessivo-compulsivo). Listas, listas, coisas, tarefas, atividades, elefantes diários por matar. Dívidas íntimas; torturas persistentes. Graças aos deuses tribais das mais eruditas tramas antropológicas – hola Indiana – alguma hora sim se é de ver aquilo que se quer encontrar. Porque esse é o justo ponto; entre a ponte e o cálice sagrado, andar na selva, sem ofender às serpentes. Não surpotaria tanta ironia Majnun, se por areias nos olhos, cegasse. Cegasse à Laila, cegasse, livre deserto aberto sem paredes, cegado à Laila, apenas vivo. Melhor encontremos em tempo, e antes, o bendito Mágico de Oz.

{fotos: Júlio Paiva}


segunda-feira, 24 de agosto de 2009

fiesta de la virgen de urkupiña

Sábado, 15.08.09, em Villa El Libertador.

Celebração religiosa da comunidade boliviana em Córdoba.

domingo, 2 de agosto de 2009

la chifladura inauténtica de los 30

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Ela, frente ao espelho – ser autêntico de Heidegger – prendeu ao alto seus cabelos para dar um ar de Farrah Fawcett. Impregnada de Caio (Fernando Abreu), memórias e um imaginário insistente daqueles anos oitenta assimilados antes da adolescência, necessitava ser aquela que desejou ser quando ainda tinha oito anos. Era 1988, mais ou menos, sua musa-diva-fawcet-caseira (Mrs. Carly) baixava a cabeça para escovar os cabelos de oito louros diferentes a causa dos repetidos reflexos de modo a criar um volume maravilhoso. Ela desejava ser essa mulher absoluta, de cores explícitas, brilhos, plumas, lurex, uma estética ousada e elegante sempre, cabelos, unhas, roupas e acessórios. Os bares da casa, nessa época, de fórmicas, cerejeira e composições de espelhos recortados, serviam whiskies em copos que davam a ilusão de vidro trincado, era moda. Pousava cigarros despudorados, sobre cinzeiros presenteados em natais, dias das mães, porque era tudo familiar e legítimo, enquanto observava a liturgia atentamente, da religiosa boemia meio onde cresceu. Ela trazia os sapatos scarpin da musa, já separados da caixa ao lado da cama. Não os ousava calçar pois seus pés pequenos podiam deformar o desenho espetacular que tinha para atingir o tal salto quinze. Enquanto seu modelo perpetuado de mulher-glamour-de-trinta-caiofernandiana arrumava-se para mais uma festa de sábado, ela aprendia essa feminilidade sensual dos batons vermelhos e das sobrancelhas finas. Às vezes, sua diva arrumava um coque no alto da cabeça e, nesse trâmite delicado, ela se deliciava com os movimentos ágeis das mãos esculpindo o penteado que haveria de durar toda uma noite e todos os drinques. Entorpecia-se com o spray fixador misturado com o Loulou adocicado demais para seu gosto cítrico e amargo de dias futuros. Agora, ela mesma, diante do espelho – em seu turno, era sua vez – desejava e entrava nesse transe, para fazer concreta uma imaginação armada, desde sua infância. Estava o doce, o cítrico e o amargo da boemia oitentosa daquele mundo que a formou. Talvez por isso Papel (aquela querida personagem que cruza sua história com a dela) reconheceu Bete Davis Eyes em sua figura de ser autêntico de inautênticas angústias e astros. Aí sempre esteve. Não havia uma dose de whisky na pia do banheiro, nem um cinzeiro, nem uma platéia solitária a admirar seus gestos. Havia ela e essas lembranças turvas. E ainda um transporte inexato de mundos estrangeiros trespassados. Em alguns minutos, haveria uma festa. E ela seria Farrah, Diane Keaton, Mrs.Carly, Hildas (Furacão e Hilst) ou qualquer musa caiofernandiana ou diva de Woody. Seriam 30 anos, essa pira toda. E escutaria aquelas músicas perfumes, loulou, amarrige, azarro, spray fixador, tedlapidus, Aquarius. Ainda que todos esses cenários estivessem implícitos em uma dimensão íntima e invisível aos convidados, aí estava. Assim como os espelhos inexistentes, ornamentados naquele bar na sala, de cerejeira. Seu mundo seu, tão confundido com loucura, de difícil dialética. Os brindes internos, ausências, paetês tácitos, uma luz a poucos olhos, de olhos que por sorte estavam alguns. Dragões amansados por euforias passageiras, esses dragões de Caio, que não conhecem o paraíso. Mas ela se dava, em seus caros minutos frente ao espelho, aquele paraíso individual. E intransferível.




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(...) Os dragões não conhecem o paraíso, onde tudo acontece perfeito e nada dói nem cintila ou ofega, numa eterna monotonia de pacífica falsidade. Seu paraíso é o conflito, nunca a harmonia. (...)
Então quase vomito e choro e sangro quando penso assim. Mas respiro fundo, esfrego as palmas das mãos, gero energia de mim.. Para manter-me vivo, saio à procura de ilusões como o cheiro das ervas ou reflexos esverdeados de escamas pelo apartamento e, ao encontrá-los, mesmo apenas na mente, tornar-me então outra vez capaz de afirmar, como num vício inofensivo: tenho um dragão que mora comigo. (...)

FERNANDO ABREU, CAIO. 1988. “Os dragões não conhecem o paraíso” em Os dragões não conhecem o paraíso.

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{foto: júlio paiva; edição despetaladas}

* dia 24 faz também um ano de delírios; sopros e desatinos de Rita Brum. Ao que se somou brinde, nessa noite de jubas, fogo e rímels.