segunda-feira, 1 de março de 2010

os últimos últimos

Eram os últimos dos últimos, dentre todas as coisas. Mas ela já se despedia há dias. Olhava, comia, tocava. Como mais uma vez engarrafasse os meses estrangeiros na terra natal. Roubava afetos, digitais, marcas, arranhões. Por ir tão fundo, se perdia, se derramava, se espraiava; demoraria a juntar-se outra vez. De vez, caiu da árvore. Era o sapoti apodrecido na geladeira, tão difícil de encontrar nessas épocas. Havia de comer, antes de ir, assim como as papaias, as tapiocas, os mariscos, as castanhas, os sucos, a televisão. Coisas que não vão na mala e alargam mais o vão desmedido do coração que parte sem aviso de volta. E nunca se volta de verdade. Além dos movimentos tectônicos, transtornos naturais, reformas urbanas, revoluções sociais, também mudam as pessoas, morrem e nascem outras todos os dias. Engolidas por clones de si mesmo, passam para trás o que foram, o que já enjoaram de ser, a refugar-se. E aí, depois já são novos diferentes e nunca mais aqueles que cruzaram numa velha esquina sobrevivida por certa tormenta ou algo do tipo. Nunca se sabe onde o buraco rasgará o chão; onde um larga bens, deixa a alma aprisionada. Ela se fragmentava pelo mundo em cartões, colchões, colheres sujas. Roupas esquecidas em varais alheios, de terras passageiras, de ruas, esse movimento nômade eterno. Depois, reunir, difícil. E difícil é reunir os sentimentos em convulsão, espasmos, delírios, gritos, sangue freado e imediatamente atirado pela jugular. Assim é que certas coisas, pensou, podem dizer tangente, como se fosse o próprio dito da própria garganta. Uma economia de verbo, rezas e masturbações emocionais. Ela encontra em outros pulsos intersecções dessa morte parecida.

"Mas sempre me pergunto por que, raios, a gente tem que partir. Voltar, depois, quase impossível" Caio Fernando Abreu (pequenas epifanias, aplicativo do facebook)



"E se estendo a mão, no meio da poeira de dentro de mim, posso tocar também em outra coisa. Essa pequena epifania."
Caio Fernando Abreu (pequenas epifanias, aplicativo do facebook)




"As cidades, como as pessoas ocasionais e os apartamentos alugados, foram feitas para serem abandonadas." Caio Fernando Abreu (pequenas epifanias, aplicativo do facebook)



“Natural é as pessoas se encontrarem e se perderem”.
Caio Fernando Abreu (pequenas epifanias, aplicativo do facebook)

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