segunda-feira, 8 de outubro de 2012

A visita obscura; noturnas, internas e outras trevas

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fotos: Júlio Paiva ]

“Quieto”, disse meio telepaticamente ao bicho, com espécie de fúria-dopada-por-serenidades.
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Um assustado morcego entrou na minha casa, nesses dias-abismos, e foi pena –não medo- o que senti. Pena do azar, do desengano, do desencontro, do desencaixe, do desajuste, da desorientação. De ambos; ele e eu, contrários e dialógicos: ele em movimento intenso; eu imóvel, porque já debatida demais, de convulsões e lutas anteriores. E coragens cansadas. E palavras gastas. Esses corpos vazios intercambiados em distração. Sem significado. Sem substância. O morcego, estático em coordenadas, excessivamente dinâmico -entretanto- em eixo. Asas cinza, supus, porque não o vi em formas, se não em mancha. Uma mancha cinza, turva, fora de foco, fora de importância, fora de contexto. Fora. Não disse, nem pensei em expulsá-lo. Quisesse estar ali, sorte a dele. Nesses dias não é companhia branda a minha. E em todo caso (sei) não é fácil estar fora de lugar. Mais ainda se não se é bem-vindo. E ele transitava ali dentro do meu espaço não dele, embora também não de todo meu; na minha bolha silenciosa e baixo frágeis acordos, em todo caso, na tumba alheia (a minha), ali comigo nos meus antros. O que podia fazer era abrir alguma janela: ainda não me é possível devolver crueldades tão profundas quanto as colhidas. Ainda assim, como decretarão -ou já decretaram- os laudos e autopsias: feridas mortais e alma entravada. Mas (também sei) a indiferença pode ser fatal, por outro lado. E, sim, o havia ignorado por uns minutos. Ou por toda a vida. Eu também já me sinto um pouco morta, era admirável assim observar sua persistência em se manter vivo. Ou em movimento, luta que fosse. Mas por onde haveria entrado, se todas as janelas estavam fechadas? Pela porta, e convidado, supus, como de regra é para com vampiros. Ou bichos culturalmente associados às trevas. Abri então a janelinha da cozinha, mais ajuda que esta não daria, tão-quase-morta estava. E tão cética. E administrando tantas dores simultâneas, por tempo distraídas. Devia parar a roda-viva e já tentava; é difícil. Parar de agonizar, revisar as dimensões. A valentia heroica do morcego já era então irritante e relativizava minha tentativa de apenas existir e resistir ao dia, alcançar o fim dele, esgotar a noite. Parar com tudo e com todos, era já imprescindível, quando não, inevitável. Sincerar-se e objetivar. Pensar, whatever works. O bicho saiu; não parei: a mente seguiu irrequieta, o coração arrastado, a pele em chamas. E nenhuma ideia de por qual vão sair. Ou expulsar-me. Restou e resta uma fúria incontrolável, fúria leão-mexeram-com-meu-almoço ou leoa-mexeram-com-meus-filhotes. E indisfarçável, nem entre as mais sofisticadas máscaras, estas que simulam as expressões faciais e tudo. E nada por dentro, quem dirá carne, sangue, vísceras, nervos. Tudo por hora anestesiado. Fechei a janela, “não volte mais”, disse ao relento. Ou por um tempo. Um tempo suficiente para alguma cura provisória que seja. E talvez até o convide pra voltar algum dia. A pesar de tudo.


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