quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Anzóis para vagalumes arredios

[Para ler ao som de Por una cabeza, Carlos Gardel]



Vibram por dentro vagalumes: pequeníssimas, fugazes e irrequietas luzes. Recuso, ou tento em vão ignorar algumas. Algumas derivativas, arrebatadoras, entretanto. Fecho entre as mãos estes ínfimos, mas intensos, lábaros, quando pela garganta enfio braços e pernas desesperados: no impulso de organizar a carnadura dos sentimentos, manualmente, forçosamente, trato de conter violentos rebuliços, porque espontaneamente, não. Não deveria! –farelos católicos arraigados, apesar de todos os incêndios, resistem zumbis. Contratam-se zumbi-exterminadores, os melhores, e restam não mais que ectoplasmas. Mas estes encontram matéria, ou bando, ou cumplicidade, noutros dispositivos repressores, para algum tipo de rédea, ou alguma classe de fiscalização, como certa moralidade e cautela. De viver, de sofrer, de ferir em vão. Os dedos trabalham pelas superfícies, para evitar das bocas certas objetivações da alma. Se falham as disciplinas internas, que não estreiem vida. Ou mantenham-se pelos porões. Pelos baús das entranhas, mais pensados que vividos, mais vividos que percebidos assim. Mas por dentro é fogo e em vão são os crucifixos. Em vão são as ditaduras glaciais ante a chama. Esse é, de todos modos, um pensamento covarde; em vão tudo será se assim quiser ser. E não há antídoto para certas convulsões, enquanto as desilusões não apagarem as brasas, muitas vezes nem assim. “Não pode ser”, diz o fígado saudoso -e sedento sempre- de vinho-complacência-e-compleição ao coração que nada sente, ainda que seja eternamente responsabilizado por. “Não pode ser, o quê?”, rebate arfante o coração quente, entretido em assuntos muito mais sérios, como, por exemplo, fazer circular a vida em um corpo infinito, de extremidades quase inexploradas, misteriosas e frias. Como um pé em pleno inverno. De unhas grandes, abandonadas, assim despercebidas. Garras. Que arranham as meias embaladas em duras botas por calçadas molhadas mais de esgotos estourados que da chuva há pouco existida. De existência fugaz, mas de consequências. E existência inegável. Como as luzes dos vagalumes internos. Vivas, vivinhas e vivíssimas; mas estas não podem viver por fora, não podem criar-se ao mundo, o mundo já é, e foi difícil concebê-lo assim. A pesar dos cepos, inclusive cambiários. Não pode ser que agora, agora depois de tudo, agora na iminência da vida, das corridas, das apostas e cavalgadas; agora na catacumba dos medos, dos traumas, das beiras, das linhas, das mesas, dos olhos, das calmas, das disposições arduamente arranjadas, a vida-redomionho-tempestade-e-vulcão exploda. Ou imploda o coração cansado em aquecer mãos e pés, que por dupla razão metem-se pela garganta, para organizar os assuntos internos e para afugentar frios e abandonos. E então os vagalumes, acesos, atentos, vivos, brincam pelo estômago e nem boldo. Reajo estupidamente. A pele estupidamente. A vista estupidamente. [Paralisias!] O tempo nublado dando matéria à segunda-feira-cheios-e-vazios, por janelas que deixam algum amarelo pelas calçadas. Algum amarelo por dentro além dos vagalumes; algum facho de sol alencarino vibrando entre os insetos domésticos, glamorosos e brilhantes, intoxicados e intoxicantes. Cuido dos vagalumes enquanto sinto. Cuido para ser sincera com estes pequenos (a)fetos. Mas dispersos, circulam e inquietam a alma. E juntos, incendeiam. 

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